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Ser jovem


Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera.
É sobretudo não ficar fixado nos padrões da própria formação.
Ser jovem ter abertura para o novo na mesma medida do respeito ao imu­tável.
É acreditar um pouco na imortalidade em vida, é querer a festa o jogo,
a brincadeira, a lua, o impossível, o disfarce, o distante.
Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali.
É só pen­sar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.
Ser jovem é ainda acordar, pelo menos de vez em quando,
assobiando uma canção, antes mesmo de escovar os dentes.
Ser jovem e não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele esta na sua.
É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crian­ças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de / cor xarope,
gengibirra e pastel de padaria.
Ser jovem é não ter azia é gostar de dormir, e crer na mudança;
é meter o dedo no bolo e lamber o glacê.
É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô.
Ê gostar da barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura.
É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.
Ser jovem é beber chuvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações.
É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras.
Ser jovem é não acreditar no que esta pensando exceto se o pensamento permanecer depois.
É saber sorrir e alimentar secre­tas simpatias pelos crentes que cantam nas praças
em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração.
Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso.
É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão.
Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida.
Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.
Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que tenha, trin­ta, quarenta,
cinquenta, sessenta, setenta ou dezenove.
É sempre  abrir a porta com emoção.
É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer.
Ser jovem é viver em estado de fundo musical de super produção da Metro.
É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores livros, discos, cachorros
e a menininha com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa,
cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida.

Com uma profunda e permanente vontade de S E R.

 Crônica de: Artur da Távola
Texto extraído do JORNAL O GLOBO – 18-08-74

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